O Dízimo na Bíblia e na História
Fonte: http://paoevinho.org/?p=259
1) Não há evidência bíblica que demonstre que a Igreja gentílica
dizimava de forma obrigatória. O dízimo, como concebido na Antiga Aliança,
servia para o sustento do Templo, dos sacerdotes e dos levitas. Com o fim desta
Aliança, a obrigatoriedade do dízimo igualmente acabou. A Igreja gentílica
neotestamentária nasceu fora deste sistema e não possuia sacerdotes, levitas ou
templos. Justamente por isso, sempre que Paulo ensina sobre finanças na Igreja,
fala em termos de doações voluntárias (2 Cor. 9). Portanto, o dízimo na Nova
Aliança não pode ser praticado como um imposto religioso.
2) Há indícios históricos de que o dízimo deixou de ser um pagamento
obrigatório com o fim da Antiga Aliança na maioria absoluta das Igrejas.
Irineu, Orígenes, Justino Martir, Tertuliano, Cipriano, João Crisóstomo e
outros cristãos dos séculos II ao V – cujos registros compõe a história da
Igreja – nos falam somente de contribuições voluntárias na comunhão dos santos.
Somente no século VI, no Sínodo de Mâcon (582), é que o dízimo começou a ser
ensinado como algo obrigatório (quando se adotou a infame Teologia do
Paralelismo entre a Igreja e o sistema sacerdotal/levítico veterotestamentário)
e um milênio mais tarde – no Concílio de Trento – ganhou força de lei cujo não
cumprimento seria punido com a excomunhão.
3) Somente algumas igrejas do Oriente dizimavam por obrigação porque
interpretavam que o diálogo entre Jesus e o jovem rico (Lucas 18:18-24)
ensinava a “generosidade sacrifícial”. Em primeiro lugar, esta interpretação é
questionável, porque Jesus não pediu o dízimo ao jovem rico (o que supostamente
já praticava) e sim que vendesse a totalidade de seus bens e desse aos pobres
(o Senhor o testava porque o amor ao dinheiro era seu problema). Em segundo
lugar, Deus não está interessado em ofertas feitas por obrigação. Em 2 Cor.
9:7, a palavra traduzida como “necessidade” é αναγκη (anagke), que na verdade quer
dizer c0nstrangimento ou obrigação. Portanto, o versículo diz que “cada um
deve dar conforme tiver proposto em seu coração, não por tristeza ou
CONSTRANGIMENTO/OBRIGAÇÃO, porque Deus ama quem dá com alegria“.
4) Alguns alegam que o dízimo transcende a Lei porque veio antes da Lei
(com Abraão e Jacó). Se estamos falando do dízimo voluntário, concordo em
gênero, número e grau, porque tanto Abraão quanto Jacó dizimaram
voluntariamente. Mas afirmar que o dízimo é obrigatório mesmo com o fim da
Antiga Aliança (porque o dízimo precede a Lei) coloca a Igreja gentílica em
maus lençois. O descanso sabático também aparece antes da Lei, já na primeira
semana da Criação, e no entanto poucos advogam a favor de sua obrigatoriedade,
com excessão de algumas comunidades sabatistas. Do mesmo modo, a circuncisão
precede a Lei (Gen 17:10). Portanto, é prudente adotarmos um peso e uma medida
na interpretação da Antiga Aliança: ou todos os preceitos do Antigo Testamento
(como o dízimo, a circuncisão e o descanso sabático) são obrigatórios, ou a
obrigatoriedade destas coisas caducou com o fim da Antiga Aliança.
5) A Antiga Aliança estabelecia 3 tipos de dízimos (Lev. 27:30-33, Num.
18:21-31 e Deut. 14:22-27 – este último a cada 3 anos). Quem ler estas
Escrituras com atenção, verá que Israel tinha que dizimar 23.3% de sua renda
anualmente e não somente 10%. Portanto, se vamos praticar o dízimo de acordo
com a Lei, devemos ser coerentes e cumprí-la em sua totalidade. Ou damos
voluntariamente ou adotamos todo o pacote mosáico.
6) Importante ressaltar também que o dízimo da Antiga Aliança nunca era
pago em dinheiro, mas com lã (Deut. 18:4) e com comida (repare nas palavras de
Jesus aos fariseus em Mt. 23:23). O argumento de que isso se dava porque na
época não havia moeda é falso, pois o dízimo de Deut. 14:22-27 envolvia venda e
compra – portanto os israelitas já dispunham de alguma moeda. O dízimo da Lei
equivalia às primícias da lã da tosquia das ovelhas e dos primeiros frutos da
colheita, portanto, somente os donos de rebanhos e de terras eram obrigados a
dizimar. O pobre dava voluntariamente, mas não era obrigado a dizimar. Pelo
contrário, o pobre colhia as sobras da colheita dos donos de terras (Dt.
24:19-21) e se beneficiava dos dízimos dos mais prósperos (Dt 26:12-13). Jesus
e seus apóstolos não dizimavam, pois não eram donos de terras ou de rebanhos
(eles eram considerados pobres e inclusivem se benefeciavam da Lei das sobras
da colheita – Mateus 12:1-2). O imposto do templo era o único tributo
compulsório pago por Jesus e seus discípulos (Mat. 17:24-27).1 Portanto, a maioria daqueles que
usam Malaquias 3:9-10 para ensinar sobre o dízimo, chamando o pobre que não
dizima de ladrão, não tem a menor idéia daquilo que está falando. Quem obriga o
pobre a dizimar, de forma legalista, não pratica o dízimo nem da Antiga e nem
da Nova Aliança.
7) Uma prática antibíblica herdada da Idade Média passou por Lutero
(simpático à Igreja Estatal) e se cristalizou entre nós: absolutamente nenhum pastor
ou líder espiritual tem o direito de “fiscalizar” as ofertas de seus membros
e/ou usar o dízimo como parâmetro para medir a espiritualidade de ninguém.Tal
ato se constitui em uma arbitrariedade que contraria o ensinamento bíblico que
nos diz que todo ato de caridade deve ser anônimo, algo pessoal entre aquele
que oferta e o próprio Deus. E assim, o que nossa mão direita faz, a esquerda
não tenha que saber (Mat 6:1-3).
8) Hoje em dia, a Igreja institucional pede dinheiro ao pobre,
ensinando-o que ele tem que dizimar (caso contrário estará roubando a Deus). No
entanto, ao invés de ajudar o pobre, investe em propriedades e edifica obras
que permanecerão aqui depois que Jesus Cristo voltar. Para justificar tal
prática, ensina que Deus um dia pagará com juros tudo aquilo que o fiel
investiu na instituição religiosa. Ainda que seja verdade que Deus abençoa
aquele que semeia de forma abundante, este é somente um lado da verdade. No
Novo Testamento os necessitados eram abençoados por Deus por meio da Igreja, com
os fundos provenientes das doações. Infelizmente, o dízimo da forma em que é
ensinado e praticado na Igreja denominacional oprime o pobre, pois a Igreja
somente ensina que Deus abençoará o pobre de alguma forma, em algum dia, mas
recusa-se a ser parte deste processo. Assim , o evangelho deixou de ser as boas
novas ao pobre (Lucas 4:18) para se tornar uma forma de opressão ao pobre.
Concluo, portanto, que ainda que o dízimo seja bíblico, a aplicação que
lhe é dada nos dias de hoje está longe de ser. É nada mais que um imposto
religioso que herdamos da Igreja Estatal da Idade Média.
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